Em 1901, realizando pesquisas arqueológicas na região da antiga Mesopotâmia, mais precisamente onde está hoje a cidade de Susa, no atual Irã, uma expedição francesa encontrou casualmente o legendário e famoso Código de Hamurabi. Em linhas gerais, trata-se de um bloco monolítico onde estão grafados os textos de 282 leis e compostos por aproximadamente 3.600 linhas. Este código, que acredita-se promulgado pelo rei Hamurabi por volta do ano 1700 a.C., estabelecia a ordem jurídica no primeiro império babilônico e dividia a sociedade em três classes: 1º) Awilum, o homem livre, geralmente proprietário de terras e que não dependia do palácio real e do templo; 2º) Muskênum: esta uma pequena casta de funcionários públicos detentores de alguns privilégios principalmente no uso do solo; 3º) Wardum: os escravos que representavam mercadoria de troca até que pudessem amealhar fortuna e comprar a sua liberdade. O código de Hamurabi estabelece ainda vários crimes como falso testemunho, roubo e receptação, estupro, os delitos contra a família e escravos, as ajudas a fugitivos, entre outros. Entretanto, a regulamentação penal mais famosa do cógido de Hamurabi e que apavora todos os legisladores e juristas do mundo atual é a lei de talião: todo aquele que se dispuser à pratica um delito, deve sofrer na própria carne, em igual número e grau os danos produzidos pela sua ação criminosa. Em termos vulgares, a lei do talião pode ser traduzida pela máxima “Olho por olho, dente por dente”. Vejamos, por exemplo, o parágrafo 227 de seu artigo 25: “Se um construtor edificou uma casa para um Awilum, mas não reforçou seu trabalho e a casa que construiu caiu e causou a morte do dono da casa , esse construtor sofrerá igualmente a pena de morte”.
Fui um aluno exemplar na faculdade de direito. Lá permaneci pelo longo período de uma semana incompleta, tempo suficiente para eu dar conta de que tentava iniciar-me em uma ciência muito longe das minhas tendências vocacionais e das minhas convicções íntimas. Hoje, graças a essa iluminação divina que tive ainda nos princípios do curso de direito, entendo de leis tanto quanto entendo de astrofísica. Mas veja-se agora os artigos 27 e 228 da nossa Carta Magna de 1988: “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos”. Por que motivo os juristas brasileiros, o doutos de todo o nosso processo legislatório, os operadores de todo o poder judiciário brasileiro, enfim, todos os luminares do direito dentro de nossas fronteiras, não se apavoram diante da falha jurídica imposta por esses dois artigos, na igual medida em se apavoram diante da milenar lei de talião? Meditemos sobre uma pessoa menor de dezoito anos que pratica um dos crimes hoje conhecidos como hediondos, porém, já previstos naquele milenar código de Hamurabi digno de todos as abominações do direito da Era Espacial. Às 23 horas e 59 minutos e 59 segundos do último dia em que tem a idade de 17 anos, esse indivíduo comete o delito. Um segundo após cometer o crime hediondo ou, ainda, no transcorrer da ação do delito, ele pode completar a idade penal: dezoito anos. Então, como os legisladores lidariam com igual situação jurídica?
Embora analfabetos em direito, entendemos: aquele que cometeu um crime de qualquer natureza, teve o poder físico e/ou intelectual de levar a efeito esse seu desígnio, qualquer que seja o tempo em que está vivendo. Como, então, atribuir inimputabilidade àquele que, no momento de infringir a lei, estava em pleno gozo desse poder físico e/ou intelectual? Essa inimputabilidade do menor que figura em nossa Constituição está fundamentada em um princípio que talvez já fosse arcaico no momento em que elaborou-se o código de Hamurabi: O menor de dezoito anos não sabe o que está fazendo. Acaso, essa consciência de seu ato viria como pudesse vir pelo toque da varinha de condão de uma fada no primeiro segundo do momento em que se completasse a sua idade penal? Isso nos parece mais pavoroso e imbecil que a lei de talião imposta ao povo babilônico há mais de 37 séculos.