Cafuné no cérebro
Numa dessas viagens que você faz de carro, à negócios ou mesmo à passeio, acaba se tornando um excelente oportunidade para o exercício da empatia ou até mesmo para gerar suas próprias alucinações vendo coisas diferentes e em muitos casos difíceis de acreditar.
E numa dessas oportunidades inéditas, a fome determinou que eu fizesse uma parada num posto de gasolina. Procedendo ao ato contínuo, fiz uso de instalações sanitárias que mesmo com boa aparência, em muitos casos falta toalha de papel ou o mágico sabão para um mínimo de higiene, coisas que acontecem em todos os bares da vida, incluindo os de Ponte Nova.
Pegar em portas e maçanetas é um desastre, nem pensar, pois ali você pode contrair uma doença que o levará a um hospital para uma segunda carga de infecção dessa vez, hospitalar. Devo logo dizer e deixar bem claro, que esse local não é o que todos de Ponte Nova podem estar pensando. Não é não, nada a ver com aquela tradicional parada depois de Mariana, naquela baixada, à direita. rsss. Aquilo ali, é um exemplo de asseio e de qualidade de atendimento ou pelo menos já foi no passado.
Esse meu raciocínio escabroso, pessimista (que muitos criticam, pois gostam apenas de falar em alegria e felicidade por aqui) foi desenvolvido quando me instalei numa das cadeiras sujas e empoeiradas do dito restaurante e eu estava ali seguindo a “máxima” de que se muitos motoristas de caminhão freqüentam, é porque o “rango” tem qualidade. Já acomodado, comecei a massagear meu couro cabeludo (o auto-cafuné), refletindo sobre aquele ambiente e perdi meu apetite, todo, literalmente. Motivo? Acho que o cafuné que fiz no meu cérebro, me deixou pirado, pra não dizer irado diante do que eu estava assistindo vendo dois motoristas iniciando o ritual para matar a fome. Se eu me olhasse no espelho naquele momento, possivelmente iria me ver do outro lado com a cara amarrotado do Arnaldo Jabor, tipo um cientista louco ou um jornalista pirado.
Fiquei meio descabelado, com um explicito semblante de agoniado e com olhos arregalados percebi que a fome dos dois era muito maior, e mais relevante que a qualidade do material para deguste. E deve ter sido por isso mesmo, porque à minha frente, na mesa próxima, sentou-se (na cadeira, óbvio) um deles (que havia se levantado para se servir), meia idade, bem gordo, do tipo 1,90 de altura, desses sulistas de olhos azuis e de um branco europeu meio cera, mas sem brilho e seu amigo de semelhante porte.
E assim um deles trazia nas enormes mãos visivelmente sujas e com resíduos de graxa sob as unhas, um enorme prato, uma torre por assim dizer, dentro de uma travessa de cor azul metálico, onde haviam ainda outros complementos alimentares pouco saudáveis, do tipo torresmo além óbvio da indispensável e famosa Coca-Cola, aquele famoso refrigerante que parece mais com esses textos de auto-ajuda e a propaganda deles diz: “Alegria de viver”, nada a ver com aquela porcaria.
Imaginei que o litrão ou litraço de Coca (2,5 ml) fosse para uso dos dois, eis que o outro se levanta e se abastecendo de outra bandeja com a mesma carga de nutrientes, trouxe também o seu refri, pasmem, do mesmo tamanho e da mesma marca. Enfatizo a expressão mesma marca, porque ele poderia justificar ou minimizar o espetáculo perante um estranho (no caso, eu), mostrando claramente que sua preferência seria um guaraná por exemplo.
Continuei ali, sentado, atônito vendo tudo aquilo e fazendo cafuné na minha ainda vasta cabeleira, pelo menos nas laterais e percebi que eles viram que eu estava com um semblante visivelmente crítico e me olhavam de banda e sussurravam palavras e comentários entre si, acho eu, pouco recomendáveis. Aquele sorriso entre lábios, meio irônico, sugeria algum tipo de desprezo pela minha cara de assustado e curioso. Susurrei comigo mesmo: Pederasta á vovozinha.
Eu sabia que com aquela cena, minha dieta de “South Beach”, estaria preservada, caso eu tivesse a coragem de me levantar e ir embora. Se eu me levantasse e saísse sem comer nada, eles poderiam se sentir vitoriosos ou coitados, se encherem de complexos. Afinal, ali estava dois trabalhadores que fazem a grandeza desse nosso imenso Brasil, colaborando para distribuir riquezas, levando e trazendo coisas que necessitamos. E eu ali passeando, sem fazer nada, coçando a cabeça e pensando em salmões e salada de alface. Verdade seja dita, que apesar de explicitarem toda essa falta de educação, eles não tinham cara de presidiários e com certeza não participavam dessas gangs de políticos que atuam nessas cidades do interior, incluindo aquelas que se situam às margens do Rio Piranga.
Pensei em tuitar no meu tablet: Vi hoje dois trogloditas belgas que fugiram pro Brasil, mas desisti.
Depois de uma meia hora, enrolando e tentando encontrar uma decisão para aquele momento de ensaios de analista de porra alguma, terminei de tomar minha água Tonica, pois perdi mesmo a fome, a coragem chegou, levantei-me e fui pro carro e até hoje ficou imaginando, conversando com meus próprios botões, (coçando a cabeça) que a vida somente tem graça quando você tem o outro para ficar imaginando e refletindo porque ele faz coisas que você não seria capaz de fazer, ou vice-versa.
Cumpre ressaltar o caráter atabalhoado de meus pensamentos na busca por não conseguir entender o nosso cotidiano. Melhor ser critico que um otimista conformista.
Como um cronista que tento conseguir ser, essa é ou seria a minha função primordial – passar aos leitores a visão sobre qualquer assunto e deixar transparecer a capacidade didática do artigo. Exibe-nos por assim dizer, talvez nas entrelinhas, que a qualidade de minhas palavras será encontrada em qualquer seara, seja política ou não.
Por isso estou aqui contando a todos que se dão o trabalho de ler, mais um causo que vivi pessoalmente.
E porque não, inaugurar o novo formato da Pontenet com algo que se não falou de paz, amor, felicidade e otimismo é pelo menos uma tentativa de encontrar o ar da graça.
Tenham todos, uma boa tarde, um bom final de semana e um bom exercício de “entrelinhamentos” (se me permitem o neologismo).