Não só por isso não concordo com o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodrigues, que espinafra o brasileiro dizendo que “o brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo”.
Acho que o ministro passou da conta em deselegância e desrespeito. É aquela manjada tática do colonizador europeu tratando o nativo como ralé, jeito de facilitar a dominação, desmoralizando o colonizado. Para o colonizador europeu não tínhamos corpo nem espírito. Valíamos o preço de três mulas. Por isso a escravidão aqui durou tanto tempo, também por imposição do complexo de vira-lata ao brasileiro o que é instrumento de dominação até hoje.
E o reflexo é secular. Exemplo. A voz corrente afirmava a “fonte luminosa” do jardim fosse condenada a servir de banheira em Palmeiras. E daí? Que fosse! No mundo inteiro o povo se refestela em águas do tipo e não são chamados de vândalos. Complexo de vira-lata? Sim. Sim.
E tem mais. O nosso povo é uma miscigenação singular, espetacular, mistura de português, índio, espanhol, francês, italiano, árabe, alemão, africano, japonês, inglês. Salada infinita, maravilhosa! Esse é o povo brasileiro, o boliviano, o uruguaio, o paraguaio, o colombiano, a América Latina inteira. Somos uma diversidade, cultura riquíssima, o resultado de uma colonização sem parâmetros no mundo.
A Tramontina, a Hércules, a Christofle, a Herdmar produzem talheres e mais talheres porque eles são simplesmente gastos no uso do dia a dia e são repostos por se perderem na lida diária em restaurantes, bares, hotéis e assemelhados, naturalmente. Não necessariamente são roubados pelos usuários. Ainda mais por brasileiros.
Quem é o brasileiro que viaja tanto? O pobre? Quem mais anda pelo mundo são os colonizadores de sempre e de todos os tempos. É o colonizador europeu todo fatiotado quem saiu de casa para carregar tudo o que encontrou pela frente fosse de quem fosse, saqueou, tomou na mão grande o que pôde no continente Africano, da América Latina. Invadiram em cada centímetro as terras, poluíram as águas, levaram o que puderam em riquezas e assim eles continuam, deixando um rastro de miséria, de mortes, de lama, tudo por pura ganância, avidez de lucro desmedido. É o registro da história. E ainda querem reservar os lugares nas Universidades.
O explorado, o colonizado agora quer ser engenheiro, quer ser médico, quer ser advogado. Não aceita mais ficar de mesuras reverenciando o colonizador alienígena que se dizia e se diz enviado de Deus o que não é e nunca foi. Então, hora de parar com essa mania de culpar os outros pelos próprios erros, pelos próprios malfeitos! E por isso a Universidade deve ser um espaço para todos, não só da elite.
Só o Ricardo Motta continua o mesmo intransigente, parecendo dono das árvores que ladeiam o Pontilhão de Ferro. De tarde, quando quase de noitinha fica ali jogando farelo pros canarinhos, transplantando um matinho daqui, entoando um mantra: “prender passarinho não é coisa de Deus! Qual o crime que o passarinho cometeu para ficar preso? Sem essa de previsão legal, de anilhado, de trinta dinheiros. A escravidão humana, a tortura, o aprisionamento também acontecia sob o pálio da lei. Não há justiça na prisão nem de passarinho”.
E lembrou Simone de Beauvoir em face do Ministro: “o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.” E não contou onde vai ser o Macaroni a La Richard.
Noé encheu a barca foi de bichos!
(*) Mauro Márcio Serra Silva é filho de Dona Tutude com sô Zé Silva, lá da cidade, do Vai e Volta.
Mauro Serra escreve nas terceira sexta-feira de cada mês, na página 10 do Líder Notícias.
A ilustração acima é uma prancha (desenhos) de pássaros do ilustrador Eduardo Brettas.